sexta-feira, 8 de abril de 2016

A estrada para Candiota

Esta me contou um paulista que sentou do meu lado durante um voo Porto Alegre – São Paulo.

O Antônio, que é engenheiro e tem uma empresa de prestação de serviços, estava retornando de uma viagem a Candiota, onde foi pleitear, junto ao grupo chinês à frente da obra de uma das fases recentes da termelétrica, um contrato que lhe garantiria dois anos de trabalho forte.

Pegou o voo para Porto Alegre chegando ao fim da tarde, locou um carro e pernoitou na capital. No dia seguinte, pegou a estrada de madrugadinha para o sul do estado, rumo à região carbonífera. Viagem tranquila, chegou cedo, foi bem recebido, conversou com os clientes, almoçou, tudo certo, ótimas perspectivas. Levaram-no a conhecer toda a obra de perto.

Perto do final da tarde, toda a agenda planejada havia sido cumprida e, como tempo é dinheiro, despediu-se, sem maiores formalidades, para retornar logo à capital gaúcha, descansar à noite e voltar a São Paulo na manhã seguinte.
Coincidiu sua partida com a saída do turno do dia, dos trabalhadores da obra. Ao sair do estacionamento da usina, precisou ter cuidado ao trafegar, pois era enorme o número de pedestres atravessando as ruas para dirigir-se aos pontos de parada dos ônibus e vans.

Afastando-se umas poucas dezenas de metros do complexo, já a caminho da estrada de acesso que leva à BR 293, viu três caras pedindo carona, deviam ser operários da obra. Feliz e ainda sob o efeito da euforia que o havia contagiado, devido à excelente reunião, parou o carro e mandou subir. Entraram no carro os três. Estou indo para o trevo de acesso, posso levar vocês até lá, disse. Ninguém respondeu nada.

Acelerou o carro, rodou por uns dois quilômetros e perguntou: como está a obra?

Não sei, respondeu o que estava sentado à frente. Um sentado atrás só encarava o Antônio pelo retrovisor.

Antônio: mas vocês trabalham na usina, certo?

O da frente: não senhor, só estamos passando por aqui, estamos procurando trabalho, mas aqui é difícil para quem é de fora.

O sentado atrás que encarava pelo espelho completou: e mais difícil ainda quando se deve para a Justiça. “Nóis trêis devemo”, completou, sem piscar o olho.

Rapaz, contava o Antônio, senti um frio na espinha, meu coração disparou e a adrenalina foi instantânea. Tenho 50 anos, cara experiente, vivido, nascido e criado na capital paulista, assaltado mais de cinco vezes, saído ileso de todas elas, fui me meter numa enrascada dessas. Eu pensava vou morrer no interior do Rio Grande do Sul, numa estrada deserta, na mão de três matutos, uma morte idiota. Meus amigos vão até fazer piada disso quando souberem, se um dia souberem, o mais certo é que meu corpo jamais apareça e minha mulher fique o resto da vida achando que eu fugi para a Europa com uma amante.

Pensou em inventar que era delegado da PF, mas isso provavelmente não ia servir para nada, poderia até piorar sua situação. A única saída que encontrou foi apontar para a cabeça deles a única arma que eu tinha consigo: o carro. Pisou fundo. O carrinho, um sedan compacto 1.0 berrou e começou a desenvolver velocidade. Nas ultrapassagens, segundo seu relato, nem esperava, tocava em frente, pelo acostamento, se necessário. Pensava: quando chegar num posto de gasolina eu paro e saio correndo. E nada do posto. Estava a 170 por hora, pé no fundo, um deles falou “o senhor tá com pressa hein”. O Antônio pensou ah, filho da mãe, tá com medinho agora, seu merda?

Respondeu que sim, estava com pressa, e que poderia levar eles até Porto Alegre, daquele jeito chegariam logo. Segundo ele, dito isso instalou-se o pânico entre os caroneiros, que logo imploravam para que ele parasse. Rodou naquela corrida ensandecida por mais dez minutos, os sujeitos assustados quase choravam. Finalmente, viu ao longe um refúgio com alguns carros estacionados, acessou e freou de forma brusca, abriu sua porta e saiu correndo.

Disse: nem olhei para trás, disparei na direção dos carros, o pessoal ali me olhava assustado. Expliquei a situação, voltaram comigo no carro. Os três tinham ido embora, sumiram. Não levaram nada, nem a pasta do notebook que estava no porta-malas.

O Antônio finalizou o relato dizendo que o restante da viagem foi tranquilo e que teve bastante tempo para se recuperar do susto. Não vê a hora de chegar em casa, relaxar e esquecer que passou por tudo aquilo.

Nisso, estávamos já sobrevoando São Paulo e o comandante anunciando a descida da aeronave em Guarulhos.

Perguntei: moras onde, Antônio?

No Morumbi, estou com o carro no estacionamento.


Estou indo exatamente para aquela região. Podes me dar uma carona?

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